terça-feira, 28 de dezembro de 2010

India: maratona no aeroporto

Estamos em uma época de férias e nesse período é bastante comum que as pessoas pensem em viajar. É exatamente sobre uma viagem que eu fazia que quero comentar e ilustrar o conceito de desperdício, particularmente o desperdício de "processos desnecessários".

Entre Agosto/08 e Março/09, tive a oportunidade de morar na India para implementar um projeto de Lean Manufacturing em uma fábrica na cidade de Vadodara. Dentre os inúmeros fatos que me chamaram a atenção nesse país com uma cultura tão diferente da nossa, foi a do excesso de desperdícios em atividades extremamente simples. Por exemplo, a maratona que era a volta ao Brasil.

A India me mostrou ser um país extremamente preocupado com a segurança (pelo menos quero me convencer disso). Quando ia retornar ao Brasil, eu pegava um voo de Vadodara para Mumbai, depois um voo de Mumbai para Paris e, finalmente, o voo Paris para Guarulhos. A viagem já é cansativa, mas a maratona começava no primeiro aeroporto, em Vadodara.

Ao chegar no aeroporto, eu pegava minhas malas e dirigia-me ao hall do aeroporto. Do lado de fora do aeroporto, eu tinha que mostrar o passaporte e bilhete de embarque para entrar. Entrando no aeroporto, eu tinha que novamente mostrar ambos para outro segurança para poder entrar no hall do aeroporto. Feito isso, eu tinha que mostrar para o terceiro segurança, o passaporte e bilhete, para poder passar a mala pelo raio-x (obrigatório). Vencidas essas etapas, eu podia agora fazer o check-in, onde tinha que mostrar o passaporte novamente, esse sim necessário. Cansado já? Calma que tem mais!!!

Para entrar no hall de embarque, tinha que passar por uma vistoria de segurança. Mostra passaporte, bilhete e seguimos em frente. Quando era hora do embarque, mostrava novamente o passaporte para ir ao ônibus que levava ao avião. Antes de entrar no ônibus, 10 metros à frente, mostrava de novo ambos. Não acabou! Para entrar no avião, tinha que novamente mostrar passaporte e bilhete. Veja abaixo um fluxo desse processo:



Nada mais nada menos que 8 vezes, sendo que 6 destas podiam ser tranquilamente eliminadas!! Desperdício puro: só agregava custo ao aeroporto e fazia com que eu perdesse meu tempo! Uma verdadeira maratona e a viagem estava só começando...

Essa é uma situação comum em processos administrativos onde os processos não são feitos para serem ótimos. Normalmente esses processos eram práticas, que acabaram se tornando processos e, na maioria das vezes, processos ruins e, como já citei anteriormente, processos ruins geram resultados ruins.

Existem poucas iniciativas de Lean aplicados a processos fora da manufatura, mas existem inúmeras oportunidades de aplicação e com possibilidade de resultados formidáveis.

Desejo a todos boas festas a todos e um 2011 EXCELEANTE!!!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Morgan Car Company: desperdícios que dão resultado?

No final de Novembro, recebi um e-mail sobre um fabricante de carros, a Morgan Car Company. Colo abaixo o e-mail e algumas fotos:

A Morgan Motor Company, localizada na Grã-Bretanha não muda em um mundo em mudança. Não só é ainda independente, mas também faz cada carro a mão.
Um modelo básico custa cerca de $ 44.000 dólares, mas alguns carros custam até $ 300.000.
As pessoas esperam mais de um ano para obter os seus carros exclusivos feitos à mão com a carroceria feita de metal e muito do veículo, feito de madeira. Trabalhando no interior da madeira, os trabalhadores usam tesouras metálicas individualmente para formar um capuz, porque cada carro tem que ser diferente. Todos os anos, Morgan produz cerca de 600 carros.
A empresa vai celebrar o seu 100º aniversário em 2011. Ela tem uma longa e interessante história, e ainda é gerida pela mesma família: o Morgans. Fundada por Henry Frederick Stanley Morgan conhecido como "HFS", foi mantida pelo seu filho Peter, e agora é administrada por Charles, o filho de Peter Morgan.




Me chamou muita atenção essa empresa e alguns amigos me perguntaram: como pode uma empresa que vai na contramão de tudo que é modelo contemporâneo de administração de empresas, apresentar um resultado significativo? Ela pode ganhar dinheiro sendo artesanal e com modelos "ultrapassados" de gestão? Pode uma empresa com tantos desperdícios ser lucrativa? Resolvi investigar.

Acontece que não existe segredo. Se eles ganham dinheiro com o modelo atual de produção / gestão, ganhariam muito, mas muito mais se trabalhassem com exceLEANcia! Os resultados financeiros estão aí. O faturamento em 2009 foi de 27 milhões de Libras com 163 funcionários, ou seja, quase 166 mil libras por funcionário. O lucro? Baixo! Como eu citei, não tem segredo. Com custos altos, quem sofre é a margem de lucro.

Creio que o grande segredo está no posicionamento da empresa: fabricar carros únicos, esportivos e artesanais, ou seja, atinge um público bem específico que vem se mostrando fiel. Claro, alia-se a esses fatores um produto de qualidade. E mais, sem concorrência.
 
Mas vejam, essa empresa fabrica 600 carros por ano, com custos operacionais altíssimos e margem de lucro baixa. Qualquer deslize no posicionamento poderá ser fatal a ela.

Analisando um pouco a empresa, encontramos muitas oportunidades de alavancar o lucro:

- as longas filas de espera que viraram uma marca registrada da empresa significam longos lead times, ou seja, o produto demora muito pra ficar pronto. Aqui está a primeira oportunidade de aumento da lucratividade. Claro que eles perdem pedidos devido à espera;
- outra marca registrada é que os carros são feitos à mão. Por esse motivo, a mão-de-obra deve ser muito especializada, ou seja, eleva muito o custo do carro. Na Morgan, de 30% a 40% do custo é mão-de-obra. Outra oportunidade: alavancar a produtividade através de simplificação de processos, melhoria de lay-out, utilização de dispositivos e ferramentas, organização... olha, aqui tem muita oportunidade! 30% de ganho é tranquilo!
- estoques altos de matéria-prima, como vemos nas fotos. E matéria-prima cara! E o pior é que são carros feitos sob-medida, ou seja, parte da matéria-prima jamais será usada!! Um pouco de produção puxada aqui não seria nada mal!
- os projetos deveriam usar o conceito de Design for Manufacturing (desenho para fabricação) ao invés de simplesmente projetá-los. Reduziria muito os custos!

E muitas outras oportunidades...

Em resumo: uma empresa centenária, com uma marca forte e que sobrevive com um modelo de gestão ultrapassado. A que custos? Até quando? O tempo vai dizer... Mas insisto, não tem segredo tampouco mágica! Basta um concorrente ofertar carros mais baratos, ou seja, com custos mais baixos, que a Morgan vai virar história...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A causa-raíz é a enfermeira?

Ontem recebemos o comentário abaixo do Hiroaki sobre o post Hospitais sem sofrimentos:

"Hiroaki disse...
Vocês leram sobre uma morte porque uma enfermeira injetou glicerina numa criança em vez de soro? Os dois vidros iguais! O erro foi da enfermeira, mas cadê o 5S? Why? Why? Why?
Falta muito nos hospitais!"

Achei tão pertinente o comentário que resolvi escrever um post.
Pra quem não sabe do caso, veja no link: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/mp+abre+inquerito+para+apurar+morte+de+menina+em+sao+paulo/n1237859947197.html

Nada do for feito vai trazer a vida da Stéphanie de volta. Nada. Qualquer análise que for feita não vai diminuir a dor que a família dela, especialmente os pais, estão sentindo nesse momento. Só nos resta mesmo é orar para que o sofrimento passe, para que o tempo cure um pouco as feridas.

O que chama a atenção no caso é que nas notícias que circulam, em entrevistas que ouço nas rádios, em nenhum desses veículos, ouvimos alguém questionar o por quê do problema ter acontecido. Hoje pela manhã, ouvi uma série de entrevistas na Jovem Pan e o foco era único:

- "vamos indiciar a enfermeira que é a grande culpada pela morte da menina"
- "a enfermeira não estava preparada. É preciso rever as instituições de enfermagem."
- "precisamos de mais rigor para formar profissionais para a área de saúde"

Claro que a enfermeira tem uma parcela de culpa e merece ser julgada pelo que fez. Concordo também que existe uma grande chance de existir um problema de educação, agora, culpar a enfermeira e as instituições de ensino irá resolver todos os problemas do hospital? Tenho absoluta convicção que não. Pra começar, dois exercícios de 5 Porquês precisariam ser feitos:

1 - causas da não detecção - Por que a enfermeira não pôde distinguir a diferença entre soro e vaselina líquida?
5PQs, não apenas 1!!
Problema da embalagem é o primeiro porquê apenas! De novo, mudar a cor dos frascos vai resolver de vez o problema de não-detecção?

2 - causas da ocorrência - Por que houve a confusão com os frascos? É só pq a enfermeira não prestou atenção ou não era capacitada?
5PQs, não apenas 1!!
Reitero que sim, o erro da enfermeira é um problema, mas está longe de ser a causa-raíz dessa fatalidade. Podemos perguntar: como é a organização dos hospital (5S)? Como os insumos são armazenados? Como são controlados? Como são descritos os procedimentos operacionais no hospital? Existem sistemas à prova de erros (Poka-Yoke)? Etc, etc, etc... Se o processo é ruim, só pode gerar resultados ruins.

Concordo plenamento com o comentário do Hiroaki: 5 PQs ajudaria muito nesse caso! Apenas duvido que será foco em algum momento. Por se tratar de um caso que veio ao conhecimento da opinião pública, antes de alguém pensar em perguntar 5 vezes Por Que, outro alguém vai exigir (e já estão), o 1 Quem.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Gestão Visual: simples, eficaz e eficiente

No último domingo tive o prazer de almoçar em um restaurante famoso, mas que eu nunca havia ido: Outback Steakhouse. Digo prazer não apenas pela comida, que diga-se de passagem estava muito boa, mas por todo o conjunto da obra. Não é à toa...

Logo na entrada fui surpreendido com um excelente atendimento. Em apenas 2 minutos estávamos sentados em uma mesa no local onde queríamos. Sabem o que ajudou a hostess a localizar de forma tão rápida a disponibilidade e o local onde queríamos sentar? Vejam abaixo o quadro para Gestão Visual desse processo.


Eu sou um grande fã da Gestão Visual. Controles visuais não são importantes para satisfazer o desejo dos gerentes por quadros de gestão, mas são importantes para trazer ao foco o processo, direcionando melhorias. Entendo que o segredo da Gestão Visual é a simplicidade.

A simplicidade desse modelo é o segredo do seu sucesso!

Notem que o quadro nada mais é que um lay-out do restaurante impresso em tamanho A3. O impresso está atrás de um acrílico que é usado para a gestão do processo, praticamente on line (outro grande segredo do sucesso desse modelo).

De nada adianta instalar quadros de gestão visual se não houver exatamente a tal da gestão. Se não tiver gestão, o quadro é enfeite ou informativo.

Como funciona: quando um cliente chega no Outback, a hostess pergunta as preferências de assento e número de pessoas. Com essas informações, ela checa no lay-out as mesas que estão livres, que são as mesas onde não há um círculo (círculo = ocupado). Caso a mesa desejada não esteja disponível, ela pode oferecer outra que atenda a maior parte dos requisitos.

As linhas dividindo o restaurante no lay-out referem-se aos garçons, ou seja, quais mesas serão atendidas por ele naquele dia. Isso possibilita que a hostess o contacte no caminho até a mesa (via rádio), para que ele chegue o mais rápido possível. No nosso caso, chegamos juntos à mesa.

Em vermelho no lay-out, são as mesas que estão sujas.

As atualizações são feitas pela própria hostess, quando recebe o input via rádio ou pelo garçom, quando passa pelo local.

Trata-se de um exemplo de gestão visual extremamente simples, eficaz e eficiente. Pelo menos pra mim foi deveras.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Hospitais sem sofrimentos

Existe um crescente movimento de implantação de ferramentas / conceitos Lean em ambientes diferentes da Manufatura. Eu mesmo já trabalhei em projetos em áreas de atendimento à clientes e estou trabalhando em Engenharia e Exportação, todos processos administrativos. O que eles têm em comum: muitos desperdícios e oportunidades!

Desperdícios são atividades que o cliente não está disposto a pagar, ou seja, não agregam valor. Na Toyota, os desperdícios foram assim classificados:

  • Superprodução, a maior fonte de desperdício.
  • Tempo de espera, refere-se a processos que aguardam em filas.
  • Transporte de material, nunca geram valor agregado no produto.
  • Processamento desnecessário, algumas operações de um processo que poderiam nem existir.
  • Estoque.
  • Movimentação.
  • Defeitos, produzir produtos defeituosos. 

Ir a um hospital é longe de ser um programa prazeroso, ainda mais pra uma criança. É sofrimento do começo ao fim e entendo que parte do sofrimento podia ser menor.Pois bem, na última semana fui levar meu filho ao hospital e me deparei com uma série de desperdícios. Não sei se as pessoas percebem o quanto uma ida ao hospital poderia ser mais fácil.

Agendar a consulta até que não é uma atividade tão complexa. Os problemas começam quando você chega à consulta. Primeiramente, tínhamos que encontrar a Enfermaria. Pergunta: ao entrar com o carro no estacionamento, existia claramente uma indicação de onde era a enfermaria?? Pois é, não tinha. Fomos para a recepção principal e depois de uns 5 minutos descobrimos onde era a enfermaria e nos dirigimos a pé até lá.

No nosso caso, ao chegarmos (15 minutos antes do horário agendado), passamos pela recepção, onde temos que retirar uma senha para ser atendido. E pra que foi isso? Simplesmente pra recepcionista da enfermaria ver que já tínhamos todos os documentos e autorizações necessárias e podíamos ir para a outra recepção (????). Pois é, existia uma recepcionista que, agora sim, daria entrada nos exames a serem feitos para gerar os protocolos de atendimento. Além de uma pequena desorganização na mesa, descobrimos que existiam alguns "encaixes" e, com isso, já víamos uma espera pela frente.

Após uns 10 minutos na fila mais espera pela separação de papéis na mesa (processados, agaurdando processo, finalizados), fomos atendidos e respondemos às mesmas perguntas que nos foram feitas na primeira recepção, além de diversas confirmações de informações que constavam na ficha do exame, tipo: vcs vão fazer qual exame?

Vencida essa etapa, fomos para a sala de ESPERA (um dos sete desperdícios). Lá ficamos por mais uns 10 minutos aguardando outro paciente que estava sendo atendido pelo mesmo médico. O exame durou cerca de 5 minutos e fomos embora.

Pra fazer o exame, levamos quase 1 hora. Veja abaixo uma forma gráfica de visualizar.



Com um pouco de LEAN nesse hospital, esse tempo podia tranquilamente ser mais curto (não tenho muito a falar sobre o trajeto até o hospital):

1 - melhoria nas identificações e sinalizações, especialmente na entrada do hospital, faria com que as pessoas perdessem menos tempo procurando o local onde devem ir (5S);
2 - a recepção principal da enfermaria é desnecessária pra quem já tem agendamento. Deveria ser claro que é para pacientes não agendados / emergências (Trabalho Padrão);
3 - Não existe uma prioridade nos exames, tampouco uma forma de gestão de horários para saber quando é possível fazer "encaixes". Também não existe uma forma de gestão dos protocolos de atendimento. Um quadro (Gestão Visual) resolveria esse problema;
4 - Ainda sobre "encaixes", existe uma oportunidade de nivelamento aqui. É bem provável que exista uma concentração de agendamentos em alguns horários e ociosidade em outros (Heijunka);

No meu caso, a grande perda foi do meu tempo, mas pensando no hospital, existe uma clara perda de dinheiro. Se casos como o meu fossem mais rápidos, eles poderiam fazer mais exames e, consequentemente, gerar mais receita para o hospital. Sem contar que a motivação dos funcionários seria maior, pois eles se sentiriam mais produtivos. Quem sabe em um futuro próximo não teremos Hospitais LEAN...